Chegadas e Partidas
Fecho os olhos e deixo as coisas andarem, por si mesmas, sou um corpo inerte que se movimenta dentro de um gigante, que come e digere metros em segundos, sou uma alma num comboio de almas perdidas, sou perdição sem destino, rumo ao cais na névoa, a estação final. Imagino mil e uma maneiras de chegar, de abrir os braços quando descer o último degrau, na forma como tu poderás estar a sorrir...
Chego-me à frente no meu lugar, só para por instantes poder imaginar que estou mais perto de ti do que estava há 1 segundo atrás, estou efectivamente mílimetros mais perto de te abraçar, recuo e sinto-me distante, encosto-me e penso em ti à espera. Quero chegar e poder abraçar-te como se o mundo acabasse amanhã, quero terminar a minha viagem aqui e em mais nenhum lado, quero procurar-te entre as centenas de pessoas que vão sair aqui, quero correr para ti e ver-te a correr para mim, como se tivessem passado 23 anos de ausência um do outro, como se todas as viagens que já tivessemos feito, valessem a pena só por este momento...Desejo só que nesse momento, ainda que não te fosse possível, me digas que tiveste saudades minhas, mesmo que eu nunca tivesse aparecido antes, que eu fiz falta naquele e outro momento...e vou querer dizer-te que nunca mais chegava a altura de te poder abraçar, de te tocar, de te sentir mais perto.
Mas o caminho é longo e é preciso saber aproveitar todos os bocados da viagem, porque tu vens no teu comboio em direcção ao meu, podemos passar um ao lado do outro e nunca mais nos vermos, mas ambos caminhamos para o lugar certo, aquela busca...
Se eu chegar antes, largo as malas, largo a vida, largo tudo o que vier comigo, empurro gente e tudo o que me aparecer, corro sem parar para te ir esperar, para seres tu a descer e eu a apanhar-te naquele momento, sem que o nevoeiro me leve para um sítio estranho e lá estarei, nos teus sonhos ou na tua realidade, só à espera de ver o teu sorriso aparecer pelo meio da multidão, para te ouvir dizer olá e sentir a necessidade de dizer um olá enorme, um olá prolongado nos teus lábios, um olá que dirá o quanto precisava daquele momento e dos teus braços a amparar-me.
O sol brilha na janela e eu quase que te consigo ver, assim ainda ao longe, mas já sonho com a tua ternura, já sonho...nunca parei de sonhar...nunca quis parar, só quis mais alguém que sonhasse, em vez de pinturas negras da vida e pesadelos, sonha comigo...se vivermos num sonho, podemos deixar de sonhar um com o outro e passar a ter um ao outro, na estação, na praia, ao sol ou à chuva, no nevoeiro ou na confusão de uma noite sem vento a soprar.
Quem chegará primeiro à loucura de perder a cabeça, esperar o outro ao seu comboio e por mais nada, senão mesmo pelo amor, dirá: "ainda bem que vieste...".
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